sexta-feira, 13 de novembro de 2009

LUA


Chamava-se Lua. Percorria as folhas de todas as cores em bicos dos pés e achava-as fofas. Corria e saltava em cima das possas até molhar todos os bocadinhos dos seus pequenos pés. Sorria a cada respiração. Enchia-se do Sol a cada noite.


Nas pequenas mãos o lenço branco, cheio da ternura e da emoção, no olhar e nos lábios muito pintados, a paixão de quem move o corpo com o ténue múrmurio do vento.


Lua sentava-se perto do mar a escutar todos os pequenos sons e a fazer deles o bater do seu próprio coração. Adorava a água fria na sua pele branca, a areia espalhada pelo corpo, as estrelas no brilho do olhar. Esperava-o ali e ele chegava, todas as noites na mesma estrela. Trazia um bocadinho de pó brilhante, daquele que vem lá de longe, do céu, e colocava-o no cabelo dela. Tinha muitas cores e brilhava muito! Ela adorava! Lua tinha um bocadinho de céu na cabeça.


Depois do mar calmo do início da noite, tocavam-se as mãos e juntos dançavam ao ritmo das ondas. Os pés de Lua mal tocavam a areia agora fria, saltitavam, rodopiavam e os brilhantes do cabelo saiam em todas as direcções.


Quando o Sol nascia, a tal estrela voltava para o levar de volta lá para o sítio dos pozinhos brilhantes. Lua acenava com o lenço branco e corria pela praia, desta vez, sozinha. E então chegava perto das rochas, abria a tal portinha mágica e desaparecia até à noite seguinte.



"And in the midst of sailing ships we sink our lips into the ones we love that have to say goodbye . . . As I float along this ocean, I can feel you like an ocean that I hope will never live"

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Foramen Cecum


Faz tempo que o tempo da escrita se foi.


Mas hoje, quando o tempo é tempo de bater lá bem no fundo, cá estou eu, na mais pequena esperança de não me afogar no poço. . . Ainda assim, com algum medo de me afogar ainda mais.


Sem tempo, sem vontade, sem objectivo, sem esperança, sem alegria, sem aquele brilhozinho nos olhos . . . mas pelo menos, acordada, à espera que o tempo mude, que a maré se acalme, que o vento conduza ao porto de abrigo, que o sol aqueça e não queime, que a chuva lave mas não molhe . . . perdida no meio de tanta coisa e com tanta vontade de encontrar nessas coisas alguma coisa que valha a pena.


Outra vez a fúria das palavras que passam rápido como as horas em que vejo o tempo passar-me ao lado, em que a vida me escorre pelos dedos sem se perder nas veias lentas pelo cansaço . . . outra vez a fúria de querer mais . . . ao menos isso, ao menos querer.


Agora vou que a consciência a mais não deixa e o tempo passa, passa e nada avança. Tem que ser, custa, mas vou. E porquê? Para quê? Queria apenas saber . . .



" Que tristeza tão inútil essas mãos

Que nem sempre são flores que se dêem:

Abertas são apenas abandono,

Fechadas são pálpebras imensas,

Carregadas de sono "


( As Mãos, Eugénio de Andrade)